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Japoneses com mais de 65 anos furtam para ser presos

O desmonte do sistema público de Previdência Social, com o brutal arrocho das aposentadorias, está provocando uma onda de criminalidade jamais vista entre os idosos japoneses que, esfomeados, vêm sendo obrigados a furtar comida.

Completamente endividados e sem receber a mínima assistência, senhores e senhoras com mais de 65 anos, buscam meios para serem presos e conseguir sobreviver atrás das grades.

Reforma da previdência social

Mais do que permanente, a “onda” de furtos praticados por idosos é crescente nestas duas décadas, casualmente o mesmo período de implantação do modelo neoliberal na Previdência japonesa.

Em 1997, cerca de uma em cada vinte condenações era de idosos com mais de 65 anos. Duas décadas depois, essa fração subiu para mais de uma em cinco.

Sem previdência, sem dinheiro

Com 69 anos, Toshio Takata, conta que infringiu a lei porque era pobre e precisava morar de graça, ainda que fosse numa cela. “Cheguei à idade de me aposentar e fiquei sem dinheiro. Me ocorreu então que talvez eu pudesse morar de graça se vivesse na cadeia”, desabafa o senhor, atualmente preso num centro de reabilitação em Hiroshima.

Após ter cometido uma primeira infração aos 62 anos, quando pegou uma bicicleta alheia e foi confessar o “crime”, na delegacia mais próxima, Takata precisou voltar a furtar para não viver na rua.

Ele foi a um parque ameaçar umas senhoras: “Eu não pretendia fazer nenhum mal. Só mostrei a faca, esperando que uma delas chamasse a polícia. Uma delas fez isso”. Desta forma, ele passou metade dos últimos oito anos numa cela.

Questionado sobre a vida na prisão, Takata ressalta: “posso ficar lá de graça e quando saio, economizei algum dinheiro. Então, não é tão doloroso”.

A BBC ouviu uma senhora de 70 anos, identificada apenas como Keiko que, após se separar do marido, como “não tinha onde morar, tampouco lugar para ficar”, acabou tendo uma “única opção”. De acordo com ela, “mesmo mulheres na faixa dos 80 anos estão cometendo crimes. É porque não conseguem comida, dinheiro”.

Diante da fome, o furto de alimentos é o principal delito cometido por idosos infratores, que costumam buscá-los em mercados próximos.

Das 2,5 mil pessoas com mais de 65 anos condenadas em 2016 – data do último levantamento disponível -, mais de um terço acumulava mais de cinco condenações anteriores.


‘Se eles estivessem por perto para me apoiar, eu não teria feito isso’, diz Toshio — Foto: BBC

O australiano Michael Newman, demógrafo do centro de pesquisa Custom Products, baseado em Tóquio, confirma: é muito difícil viver com a “ínfima” aposentadoria básica paga pelo governo.

Newman calcula que apenas os custos de aluguel, alimentação e assistência médica já são suficientes para deixar os beneficiários endividados – isso sem levar em conta outros gastos, como eletricidade ou roupas.

“Os aposentados não querem ser um fardo para os filhos, e sentem que, se não conseguirem sobreviver com a aposentadoria do Estado, a única maneira de não serem um fardo é indo para a prisão”, diz o demógrafo.

Sem previdência, mas com prisão

A infração reincidente é uma forma de “voltar para a prisão”, onde há três refeições por dia e nenhuma conta a pagar, acrescenta. O resultado disso, aponta, é que numa prisão em Fuchu, nos arredores de Tóquio, quase um terço dos presos agora tem mais de 60 anos.

O estudioso australiano ressalta que o suicídio também está se tornando mais comum entre os idosos – outra forma de cumprir com o que eles podem considerar como “seu dever de se retirar”.

Incluindo todas as faixas etárias – pois a situação entre crianças e adolescentes também é extremamente grave -, o Japão possui um dos índices mais altos de suicídio no planeta, em torno de 30 mortes para cada 100 mil habitantes, ou 70 casos por dia.

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